700 milhões em impostos prescrevem anualmente

A máquina fiscal precisa de ser mais eficaz, defendeu Luís Magalhães, partner da consultora KPMG, que, num encontro com jornalistas, apresentou um documento de reflexão sobre as questões abordadas no memorando com a "troika".

Impreparação do legislador ou uma máquina fiscal que ganhou eficiência, mas não a suficiente para evitar 700 milhões de euros de impostos que em média prescrevem todos os anos, sendo que em 2009 prescreveram 1200 milhões de euros, são algumas das críticas do partner da KPMG Luís Magalhães.

A litigância entre o contribuinte e o Estado tem vindo a aumentar e há 50 mil processos em aberto. Defende a definição de prioridades a este nível, sendo que a arbitragem é uma boa solução para se reduzir o volume de litígios. Defende ainda prioridades na acção, sendo que a evasão em sede de IVA é a mais relevante, pois é o imposto mais pesado.

O memorando prevê, nesta óptica, um aumento do esforço relacionado com o combate à fraude e evasão fiscal, com o objectivo de aumentar a receita em 175 milhões de euros todos os anos.

Luís Magalhães realça o ponto mais forte deste documento e que é o facto de estar dirigido para o lado da receita. "Esta é uma ocasião única", afirma. Realça que esta é uma das primeiras vezes em que se toma a direcção certa e diz que há tempo para os decisores políticos tomarem as opções acertadas até Setembro/ /Outubro.

O encontro entre o partner da KPMG e os jornalistas destinou-se a debater alguns conceitos a nível fiscal inseridos no memorando assinado entre o Governo e a "troika", sem qualquer valor do foro político. Sublinhou que é necessário que as opções (a nível fiscal) sejam de um ponto de vista técnico bem elaboradas. Disse que aquilo que foi negociado com a "troika" permite alguma "ponderação para trocas, desde que a receita não seja afectada". Deu como exemplo de medidas que não podem ser levadas à letra o fim dos benefícios fiscais ao interior para a criação de emprego.

Mas o mais relevante está na eficiência da máquina fiscal. Afirmou que o valor das dívidas fiscais prescritas todos os anos "é preocupante e fez as contas aos últimos seis anos com uma média de 700 milhões/ /ano". Sublinha que "a máquina tem de cobrar" e as medidas que lhe estão associadas "não implicam mais carga fiscal". Diz que a DGCI (Direcção-Geral de Contribuições e Impostos) tem de ser mais eficiente, tendo em conta os instrumentos que tem ao seu dispor a nível de "reporting". Esta melhoria pode evitar aumento de impostos e, inclusive, poderia levar a reduções. Rematou ao afirmar que, independentemente das críticas, a sua percepção é de que o nível de eficiência tem vindo a melhorar, sendo que na actualidade o escrutínio é mais apertado e daí manter-se o enfoque em mais eficiência exigido à estrutura dos impostos.

Luís Magalhães afirma que entretanto houve uma alteração de paradigma na fiscalidade. "Houve uma mudança na governação corporativa e estes são tempos de mais exigência e de mais cuidado."

Deu como exemplo uma medida que está no documento relativo ao regime dos prejuízos fiscais. Diz ser explicável a antecipação do reporte para três anos, assim como a introdução de limitações.

Sujeitos individuais

A nível de IRS, é possível a simplificação. Na actualidade existe a percepção de que é complicada a questão dos escalões, sendo possível a redução a apenas quatro escalões, o que permitiria reduzir a carga fiscal em alguns deles, sobrecarregando os escalões superiores para que a receita final não fosse afectada.

A revogação de algumas deduções à colecta também são compreensíveis porque há benefícios desajustados, nomeadamente porque em alguns casos a sua criação tem o objectivo de determinadas metas anuais e os benefícios acabaram por perdurar depois de esgotados os efeitos que se pretendia. "Há aqui espaço para limpar", afirma.

Algumas das medidas apresentadas terão impacto sectorial. Desde logo poderão ter impacto nas empresas com dimensão, enquanto a questão da energia terá efeitos nefastos a nível do consumidor final, mas não sobre as empresas, que poderão deduzir o IVA liquidado. A questão dos prejuízos fiscais será relevante, assim como a eventual redução de bens que usufruem da taxa intermédia e que poderá agravar os preços de alguns bens. A nível de exportações, o que se espera é que existam medidas a privilegiar o sector. Este aspecto é relevante sobretudo para a grande maioria das empresas que se situam no Norte do País. Luís Magalhães sublinhou ainda o facto de a evolução das taxas de exportação ser muito animadora.

Aquilo que é expectável com estas medidas é um aumento do estímulo à exportação e ainda a melhoria da política de emprego. Entre os sectores de maior impacto estão as tecnologias de informação, o calçado e os têxteis. Luís Magalhães diz que a análise destes sectores revela uma "visão interessante no País".

Paradigma

A alteração de paradigma sobre a área fiscal que o memorando de entendimento assinado com a "troika" permite centra-se no facto de o foco estar dirigido para o lado da receita, sendo este um momento ímpar para o fazer. Pode-se "refundar a forma de ver este tema", diz Luís Magalhães. Acrescenta que para atingir esses objectivos o documento terá de ser tratado com "uma visão política muito clara".

A nível de "corporate taxes", o gestor não acredita na revogação de todos os benefícios fiscais, nomeadamente no regime da SGPS ou na criação de emprego.

A nível dos impostos sobre o consumo, defende que o agravamento deve ser maciço para se obter receita adicional. Este agravamento deve poder compensar a redução do consumo e a evasão fiscal. Adverte que quando as taxas impostas ultrapassam certo nível, as receitas baixam, registando-se uma inversão comportamental.

A nível do automóvel, aquilo que está previsto é a tributação em sede de IRS dos benefícios em espécie, agravando-se em sede de tributação autónoma. Afirma que pode ser mais eficiente pagar "cash" do que entregar um carro, fazendo ainda sentido o aumento do prémio anual em detrimento das entregas em espécie.

Por outro lado, o tema da revisão dos pacotes salariais pode levar à substituição de custos fixos por variáveis, enquanto o novo Código Contributivo terá um impacto faseável no tempo.

Onde terá a receita de subir

- IRC/2012: 150 milhões de euros
- IRC/2013: 175 milhões de euros
- IRS/2012: 150 milhões de euros
- IRS/2013: 175 milhões de euros
- IVA/todos os anos: 410 milhões de euros
- Consumo/todos os anos: 250 milhões de euros
- Património: redução das deduções e das isenções
- Fraude e evasão/todos os anos: 175 milhões

O que muda no IRC

As alterações a nível de IRC incluem a abolição de todas as taxas reduzidas e IRC. Nesse sentido deverá vir a extinguir-se a taxa reduzida de IRC de 12,5%, e que é aplicável à parcela da matéria colectável até 12 500 euros.

Vão ser introduzidos limites à dedução de prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores, a par da redução do período de reporte de quatro para três anos. A medida deverá limitar a dedução de prejuízos fiscais de anos anteriores a uma determinada percentagem do lucro tributável apurado.

Vão ser ainda revogadas as isenções subjectivas. O documento conhecido por memorando de entendimento não é específico e não identifica as isenções a revogar. A KPMG acredita que esta medida venha a abranger as isenções de que actualmente beneficiam as pessoas colectivas de utilidade pública e de solidariedade social.

Está ainda prevista a eliminação de alguns benefícios fiscais inscritos no Estatuto dos Benefícios Fiscais. Aquilo de que se está a falar é de benefícios que vigoram durante cinco anos e poder-se-ão incluir os benefícios fiscais relativos à criação de emprego, o regime das SGPS e os benefícios relativamente à discriminação positiva pela interioridade.

Irão ainda ser reforçadas as regras de tributação incidentes sobre os encargos suportados com viaturas. É expectável, segundo as mesmas fontes, um novo agravamento da tributação autónoma dos encargos suportados pelas empresas com viaturas ligeiras de passageiros e mistas.

Será alterada a Lei das Finanças Regionais no sentido delimitar a redução da taxa de IRC em vigor nas regiões autónomas a 20% da taxa geral em vigor no continente. A KPMG conclui que com esta medida, a taxa de IRC mais elevada em vigor nas regiões autónomas passará a ser de, pelo menos, 20%, sendo que actualmente é de 17,5% na Região Autónoma dos Açores e de 20% na Região Autónoma da Madeira.

O que muda no IRS

Neste imposto, está prevista a introdução de um limite máximo aplicável às deduções à colecta em função do escalão de rendimento colectável dos contribuintes. Na prática, o limite das deduções decresce na medida em que aumenta o rendimento colectável. Esta medida já tinha sido introduzida pelo Governo, mas com a "troika" vai mais longe.

Na verdade, pela primeira vez será aplicado um tecto máximo de dedução para as despesas da saúde; além de ser eliminada a dedução à colecta referente aos encargos com imóveis, sendo que esta era a dedução mais popular utilizada pelos sujeitos passivos em IRS.

Está prevista a eliminação das deduções correspondentes ao valor das amortizações do empréstimo.

Ainda a eliminação faseada da dedução respeitantes às rendas pagas e aos juros suportados no âmbito do empréstimo contraído para a aquisição de habitação permanente.

E ainda a eliminação da dedução referente ao valor dos juros pagos para novos empréstimos.

Está ainda prevista a eliminação de outros tipos de despesa dedutíveis à colecta, caso dos encargos com lares e encargos com prémios de seguros.

Será revista a tributação dos benefícios em espécie, que não são identificados no documento da "troika". A KPMG antecipa que a revisão poderá incidir sobre a atribuição ao trabalhador do direito à utilização pessoal de viatura pela respectiva entidade patronal e sobre os empréstimos efectuados pela entidade patronal a favor dos seus trabalhadores.

Irá ocorrer, também, uma alteração da Lei das Finanças Regionais com o objectivo de limitar a redução do IRS nas regiões autónomas a 20% das taxas de IRS aplicáveis no continente.

Está também previsto a sujeição a IRS de todas as prestações de carácter social pagas em dinheiro, o que pode incluir o subsídio de desemprego, os subsídios de maternidade e paternidade, o abono de família e outros complementos sociais.

Acontecerá ainda a convergência das regras de tributação dos rendimentos de pensões e rendimentos do trabalho dependente no que respeita à dedução específica. Na prática, opta-se pela redução do valor da dedução específica aplicável aos rendimentos de pensões de forma que o mesmo se aproxime do valor da dedução específica aplicável aos rendimentos de trabalho.

O que muda no IVA

Neste imposto reduzem-se as isenções, além de estar previsto a transferência de determinadas categorias de bens e serviços sujeitos às taxas reduzidas e intermédia para a taxa normal de IVA.

Está também prevista a alteração da Lei das Finanças Regionais com vista a impedir que a redução das taxas do IVA aplicadas na Regiões Autónomas possa ser superior a 20% das praticadas no continente. Isto significa que as actuais taxas de IVA de 4%, 9% e 16% sobem, pelo menos, para 5%, 10% e 18%, respectivamente

O que muda no consumo

Está previsto o aumento do imposto de venda de automóveis e eliminação das respectivas isenções.

Será aumentado o imposto sobre o tabaco; além de indexados os impostos especiais de consumo à inflação.

Será introduzido o imposto sobre o consumo de electricidade, para respeitar uma directiva europeia. Será ainda estabelecido um novo quadro normativo no que respeita à tributação dos produtos energéticos em função do seu teor energético e dos respectivos níveis de emissões.

O que muda no património

Serão reduzidas substancialmente as isenções temporárias para casas desocupadas, enquanto a grande medida está na transferência de poderes do Governo para as autarquias locais será revista, com o objectivo de assegurar que as receitas adicionais sejam alocadas à consolidação orçamental. Associado a estas orientações estão conceitos vagos como sejam a melhoria do acesso à habitação e a promoção da mobilidade dos trabalhadores, a melhoria da qualidade da habitação e a redução dos incentivos à contracção de dívida por parte das famílias.

Uma medida de forte impacto nas famílias será a revisão do actual método de avaliação fiscal do património imobiliário. Pretende-se garantir a aproximação do valor tributável dos imóveis do respectivo valor de mercado. E garantir a actualização regular da avaliação dos imóveis, sendo que os imóveis comerciais serão actualizados anualmente e os habitacionais a cada três anos.

O documento quer ainda introduzir medidas que promovam alterações ao nível da propriedade imobiliária, com o objectivo de incentivar o arrendamento.

Nesta óptica, serão introduzidas alterações no IMI e no IMT, sendo privilegiada a tributação associada à detenção de imóveis, ou seja, o IMI.

Está previsto a redução das isenções temporárias de IMI para habitação e o agravamento da tributação relativamente aos imóveis devolutos ou desocupados, o que não inclui aqueles que são considerados segunda habitação ou habitação de férias, pois têm uma ocupação sazonal.

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FONTE: OJE
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