Acórdão do TCA do Sul - IRC - NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA - CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO - DECISÃO SURPRESA - DUPLA TRIBUTAÇÃO - REINVESTIMENTO DE MAIS VALIAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul

I) - Havendo a obrigação de conhecer do vício de dupla tributação relativamente a uma correcção técnica, vício suscitado pela recorrente nas suas alegações e já invocado na petição de inicial e não se vislumbrando na sentença recorrida qualquer referência directa ou implícita a tal questão, padece a mesma de omissão de pronúncia, encontrando-se ferida da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, procedendo, em consequência, a 1ª conclusão da alegação da recorrente.

II) - E haverá que conhecer em substituição do mérito do recurso contencioso interposto pelo recorrente, pois o processo reúne todos os elementos para decidir (cfr. artigo 715º n.º 1 do CPC).

III) - De harmonia com a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (artº 715º, nº 2 do CPC, na sua actual redacção) os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio.

IV) -É também pacífico que a obrigação de substituição do TCAS ao tribunal recorrido, imposta pelo nº 2 do artº 715º do CPC, existe mesmo que o recorrido – como aconteceu «in casu»- não tenha lançado mão do disposto no artº 684º-A, nº 1 do mesmo Código devendo, como as partes não se pronunciaram sobre o objecto desta decisão, o relator deste processo, antes de proferir aquela decisão, a fim de evitar decisões surpresa, mandar notificar cada uma das partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre as questões objecto dessa decisão, nos termos do nº 3 do artº 715º.

V) -O artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil é plenamente aplicável em processo judicial administrativo e tem como finalidade declarada evitar, proibindo-as, as denominadas decisões - surpresa.

Assim, caso não seja dada possibilidade à Recorrente de se pronunciar sobre um facto decisivo para a decisão recorrida, o Acórdão em causa incorreria em nulidade, por violação do principio do contraditório e do artigo 3°, do Código de Processo Civil.

VI) -O artigo 3º nº. 3 do C. Processo Civil estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

VII) -O princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões -surpresa.

VIII) -Tendo o recurso sido decidido com base nos factos alegados e provados, factos esses de que a recorrente teve conhecimento e contra os quais poderia esgrimir os argumentos que entendesse convenientes, na altura própria, a decisão tomada no acórdão em nada afecta quer a pretensão deduzida, quer a defesa.

IX) -Acrescente-se que a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências.

X)- A dupla tributação configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias.

XI)- Fundamental para que haja dupla tributação é que ambas as normas colidam i. é, se apliquem ao caso concreto, originando assim duas pretensões tributárias; e, para que haja uma efectiva dupla tributação ou “in praxi” é mister que ocorra um concurso real de normas em que o mesmo facto recai na previsão de duas normas tributárias pertencentes a ordenamentos distintos, inexistindo mecanismos que paralisem a eficácia de qualquer delas.

XII)- Mas também existe a chamada dupla tributação virtual ou “in thesi” decorrente do concurso aparente o qual existe quando o mesmo facto recai na esfera de incidência de duas normas sem que haja a aplicação concreta de ambas, ou havendo a aplicação apenas de uma. Isto por força de determinadas regras em vigor à data dos factos insertas em nos ordenamentos legislativos contendo normas de conflitos proibindo a dupla tributação como factor de insegurança jurídica, ou em tratados contra a dupla tributação que regem as relações entre os Estados contratantes, em que a dupla tributação existiria caso ambos os ordenamentos fossem aplicados isoladamente.

XIII) - Independentemente da recorrente ter ou não manifestado a intenção de reinvestimento do saldo das mais valias obtidas, a verdade é que não foi posto em causa pela Administração tributária que a recorrente, de facto, procedeu ao reinvestimento da mais valia apurada no exercício em causa de 1999 no subsequente exercício de 2000, portanto dentro do lapso de tempo referido no artigo 44° do CIRC.

XIV) - O que releva em direito fiscal, são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção do rendimento ou a capacidade contributiva, e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam, exteriormente, pelo que a mais valia apurada em 1999 foi, de facto, reinvestida no exercício de 2000, não obstante não ter sido formulada a intenção expressa de reinvestimento, não pode ser tributada, atento o estatuído no artigo 44.° do CIRC, na redacção, então, vigente.

XV)- Entendimento contrário, como o que foi perfilhado pela AT e pela sentença sob recurso, traduziria uma situação de dupla tributação, porquanto, no pressuposto da isenção de tributação da mais valia, a impugnante, em conformidade com o disposto no artigo 44.°/6 do CIRC e 7.°/7 da Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, procedeu à correcção do montante das reintegrações e amortizações aceites como custo, deduzindo o valor da mais valia alegadamente não tributada o que concerne aos exercícios dos anos de 2000 e 2001.


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FONTE: ITIJ
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