Mais de dois terços das reclamações dos contribuintes são deferidas pelo fisco

O relatório da IGF motivou já novas aplicações informáticas para avaliação da qualidade das correcções feitas pela inspecção tributária e que estão a dar os primeiros passos desde Março.

Mais de dois terços das reclamações dos contribuintes fiscais, após conhecerem as correcções feitas à matéria colectável, acabaram por ser deferidos a seu favor, segundo informação enviada ao PÚBLICO pelo Ministério das Finanças.

Esse valor é semelhante ao assinalado pela Inspecção-Geral de Finanças num relatório relativo ao triénio 2006-2008. Nesse período, o restante terço repartiu-se entre o indeferimento e o arquivamento.

A desproporção a favor dos contribuintes pode ter várias explicações. O Ministério das Finanças alerta que, em muitos casos, se deve a erros praticados pelos contribuintes nas declarações fiscais e que, ao apresentar declarações de substituição, são tidas como reclamações graciosas e corrigidas a seu favor. Mas pode também ser revelador de que os serviços tributários estão a pressionar os contribuintes a pagar mais impostos, através de correcções indevidas da matéria tributável.

Aliás, a "falta de qualidade" dessas correcções motivou a 26 de Janeiro de 2010 - na sequência do relatório da IGF - um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, a instruir os dirigentes da DGCI para "desenvolver e aprofundar os pertinentes procedimentos no sentido de melhorar a qualidade da intervenção dos serviços ao nível das correcções à matéria colectável".

Segundo informação oficial, essas diligências implicaram "novas aplicações informáticas, que entraram em produção em Março de 2010", melhoramentos nos sistemas já utilizados e reformulação nas aplicações da informação de gestão.

Apesar do elevado deferimento a seu favor, a situação do contribuinte pode tornar-se difícil, dado a lentidão na avaliação dos processos.

Ainda assim, a IGF elogia os esforços de redução dos processos pendentes nos últimos anos. O relatório sublinha que, apesar do número crescente de reclamações, o saldo passou de 36.103 processos no final de 2005 para 7226 processos em Junho de 2010. O tempo médio de apreciação desceu de 11,2 para cerca de três meses.

Mas a IGF detectou que alguns processos favoráveis aos contribuintes ainda "se encontram há vários anos a aguardar nos serviços centrais a produção de efeitos".

Um velho problema

A questão não é de agora e pode indiciar o nível de qualidade da intervenção da inspecção tributária (IT). Ano após ano, o fisco vai divulgando valores cada vez mais elevados das correcções, fruto das inspecções. Só em 2009, as correcções somaram 6,8 mil milhões de euros, mais 68 por cento do que em 2008.

Mas nunca são apresentados valores da eficácia dessas acções. Nos anos 90, a justificação oficial era a de que, após a inspecção, os serviços deixavam de seguir o que acontecia aos processos. Estimava-se que apenas metade das correcções entravam nos cofres do Estado.

No final de 2009, o relatório do grupo de trabalho para o estudo da política fiscal realçava "os erros da administração fiscal" que, "associados à morosidade da justiça portuguesa e ao poder de execução prévia, são apontados como dando origem a resultados, por vezes, catastróficos para os contribuintes", a ponto de provocarem "falências, desemprego e situações pessoais dramáticas".

Outro relatório da IGF, sobre a inspecção (com base em números de 2008), recomendou precisamente que a informática tributária avalie a "efectivação das liquidações propostas e os custos de não qualidade" e que melhore o "painel de indicadores para a avaliação de desempenho da inspecção". A IGF alerta que a avaliação do desempenho da inspecção continua a ser quantitativa e que são "estabelecidos indicadores de medida para a avaliação do objectivo estratégico de melhoria da qualidade da intervenção da inspecção".

Na altura em que o relatório foi redigido, o cálculo desses indicadores estava em fase de testes e a informação disponibilizada "ainda não se revelou fiável e estabilizada para este tipo de avaliação". Uma avaliação que requer tempo, já que é preciso seguir cada um dos processos e saber se resultou em cobrança.

Menos entregas voluntárias

Em sua substituição, a IGF usou outros indicadores. Foi o caso da percentagem de regularizações voluntárias pelos contribuintes inspeccionados. Se, em 2006, a percentagem era de 26,1 por cento, passou a 29,6 por cento em 2008, mas o relatório de actividades da IT revela que se reduziu para 23,4 por cento em 2009. Desconhecem-se os motivos dessa redução, em conjuntura de crise.

Outro indicador relaciona-se com a qualidade do planeamento e mede a percentagem das acções sem correcção da matéria tributável. "Este indicador", segundo a IGF, "tem vindo a apresentar uma evolução positiva que foi interrompida em 2008." Nesse ano, quase dois terços das inspecções não produziram resultados. Segundo o relatório de actividades da IT, o valor foi igual em 2009.

Mas há outros constrangimentos. A IGF concluiu que - apesar da subida de funcionários (de 1644 para 1833 em 2008) - "o acréscimo do número de efectivos (...) não se repercutiu na actividade de controlo inspectivo" e foi "utilizado para reforçar actividades internas, designadamente de controlo preventivo e apoio à justiça tributária". Por isso, verificou-se "uma acentuada perda de importância do controlo inspectivo (de 67,7 para 60,9 por cento) no conjunto das actividades desenvolvidas pela IT".

E que actividades preventivas eram essas? Parte dela foi filtrar a informação obtida pelo cruzamento das bases de dados da DGCI, revelador de várias discrepâncias, "um manancial de informação de potenciais anomalias detectadas pelas rotinas dos sistemas a nível central".

Apesar da progressiva informatização, muito parece estar por fazer.

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FONTE: PUBLICO
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