Mais de um terço das empresas declaram prejuízos

Entre um terço a 40 por cento das empresas portuguesas apresentaram prejuízos ao longo de todos os exercícios entre 1997 e 2007, último ano para o qual há estatísticas oficiais. Não só é crescente o número de empresas com resultados negativos como tem vindo a subir o valor dos prejuízos acumulados. De 1989 a 1996, somaram 35 mil milhões de euros. De 1997 a 2007, quase atingiram os 100 mil milhões de euros.

Os dados retiram-se das estatísticas oficiais de IRC e, apesar do atraso nas estatísticas fiscais, a trajectória naquela década tem-se mantido até agora, segundo contactos do PÚBLICO junto de dirigentes da administração fiscal.

Os prejuízos ocorrem independentemente do ciclo económico e são indiciadores de uma crescente evasão fiscal por parte do mundo empresarial. Primeiro, indicam que uma grande parte das empresas podem estar a subavaliar a sua facturação e sobrevalorizar os seus custos, de forma a reduzir ou mesmo anular os seus resultados, para não pagar impostos sobre os resultados.

Em muitos casos, sobretudo nas pequenas empresas, muitas das despesas pessoais dos donos ou sócios das empresas passam como custos da empresa, com a vantagem adicional de ainda se reaver parte do IVA pago nesses gastos de consumo final. Esse é, aliás, o conselho dado por muitos contabilistas sobretudo das micro, pequenas e médias empresas para reduzir lucros.

Face a esta realidade, a administração não dispõe, desde a reforma fiscal de 1989, de muitos meios para contrariar o que é declarado pelos contribuintes e pouco tem sido feito nesse sentido (ver caixa). A prova está no crescimento exponencial dos prejuízos acumulados, durante anos consecutivos e nos mesmos sectores de actividade. O interesse em acumular prejuízos, como explicam os dirigentes tributários, é uma dupla fuga. Primeiro, essas empresas não pagam o IRC nos respectivos exercícios e, depois, através do mecanismo legal de reporte de prejuízos (existente na generalidade dos países), podem abater esses prejuízos acumulados aos eventuais lucros nos exercícios seguintes.

Até 2010, o reporte de prejuízos - que acaba por resultar num apoio público à estabilidade da actividade empresarial - era de seis anos. As empresas poderiam deduzir esses prejuízos acumulados nos eventuais lucros dos seis exercícios seguintes.

No Parlamento, a esquerda sempre tentou reduzir ao máximo o número de anos de reporte, mas sem êxito. Só este ano, e de forma inesperada, o Governo aceitou reduzir de seis para quatro anos o período de reporte de prejuízos, mas desconhecem-se ainda as instruções relativas à sua aplicação. O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.

Tácticas sem resultados

Para combater o fenómeno da evasão, os governos têm preferido criar sucessivas taxas ou pagamentos, mas apenas atenuando a dimensão da evasão. O pagamento especial por conta -que funciona como uma colecta mínima, independente dos resultados - tem vindo a subir ao longo dos anos. Em 2007, atingiu uma receita de cerca de 130 milhões de euros, um dos valores mais altos de sempre que incidiu sobre 173 mil empresas (uma colecta média nesse ano inferior a mil euros por empresa).

As derramas, que incidem sobre os lucros, não chegaram aos 300 milhões de euros sobre 165 mil empresas (uma derrama média anual de 1800 euros por empresa). E a tributação autónoma sobre despesas confidenciais foi, em 2007, de 220 milhões de euros sobre 162 mil empresas (ou seja, 1360 euros anuais por empresa). Mas nada que se compare com os 9460 milhões de euros de perdas contabilizadas só em 2007 por 127 mil empresas, ou seja, mais de 74,5 mil euros por empresa.

Os dados revelam que, independentemente do ciclo económico, o grosso dos prejuízos verifica-se consecutivamente, ao longo dos anos, nos mesmos sectores e nos mesmos grupos de contribuintes. Um pouco menos de um terço do valor dos prejuízos fica nas empresas com proveitos até 500 mil euros. O outro terço reparte-se em partes iguais entre as empresas com proveitos entre 500 mil e 1,5 milhões de euros, entre 1,5 e 5 milhões e entre 5 e 25 milhões de euros. Finalmente, o terceiro terço dos prejuízos está nas empresas com proveitos acima dos 25 milhões de euros.

Entre eles, só as empresas com proveitos acima de 250 milhões de euros apresentaram em 2007 resultados contabilísticos negativos de 638 milhões de euros. E em que sectores se verifica a maior concentração de prejuízos? Pelo valor, a distribuição tem sido semelhante ao longo da última década. Três quartos do total de 97,7 mil milhões de euros acumulados de 1997 a 2007 verificaram-se numa meia dúzia de sectores: imobiliário (27 por cento do total), comércio (15 por cento), transportes e comunicações (13 por cento), actividades financeiras (8 por cento), construção (6 por cento), alojamento e restauração (3 por cento), têxtil (2,5 por cento) e indústria alimentar (2,1 por cento).

A distribuição já é outra, caso se analise pelo número de empresas. Mas mais uma vez, a distribuição ocorre, similar, ao longo dos anos da última década e mesmo em 2007. Nesse ano, oito sectores concentraram 82 por cento do total das empresas com prejuízos. São aquelas actividades que, habitualmente, são apontadas como tendo más práticas fiscais.

Primeiro, é o comércio, com 29,2 por cento do total dessas empresas. A seguir, as actividades imobiliárias, com quase 20 por cento, e em terceiro lugar dois sectores, cada um com 10 por cento - a construção e o sector da hotelaria (alojamento e restauração).

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FONTE: PUBLICO
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1 comentário:

  1. "Em muitos casos, sobretudo nas pequenas empresas, muitas das despesas pessoais dos donos ou sócios das empresas passam como custos da empresa, com a vantagem adicional de ainda se reaver parte do IVA pago nesses gastos de consumo final. Esse é, aliás, o conselho dado por muitos contabilistas sobretudo das micro, pequenas e médias empresas para reduzir lucros."

    Não concordo e gostava de conhecer a fundamentação desta afirmação.

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