O indeferimento expresso após o decurso do prazo que levou à formação do indeferimento tácito " Suas consequências

I " O indeferimento tácito e o fim visado com tal regime legal.
II " O indeferimento expresso ocorrido após a formação do acto de indeferimento tácito.
III " Consequências de tal para o contribuinte que já havia reagido ao acto de indeferimento tácito.
IV " A posição da jurisprudência.
V " A nossa posição.

O tema de que agora nos ocupamos tem, primacialmente, como destinatários os profissionais forenses que se debatem diariamente com questões de procedimento e de processo tributário.

Sendo certo que o mesmo é merecedor de atenção por parte dos contribuintes e cidadãos em geral, uma vez que são eles os efectivos destinatários das normas e regimes legais que aqui serão objecto de apreciação, o que é uma realidade é que os mesmos se fazem representar em tais litígios administrativos ou judiciais por profissionais forenses devidamente habilitados.

Por tudo isto é que o presente escrito mais do que uma análise de ordem doutrinária sobre a temática visa, em primeira linha, servir como uma chamada de atenção para os práticos do Direito.

Feito este intróito que se impunha avance-se então para a questão de fundo que é o cerne da nossa análise.

O indeferimento tácito traduz-se numa mera presunção legal de que a pretensão do contribuinte, apresentada junto da administração sob a forma de reclamação, recurso hierárquico ou pedido de revisão do acto tributário, foi indeferida se esta não decidir após o decurso de determinado prazo. Perante tal indeferimento formado com base no silêncio administrativo abre-se, então, o prazo para o contribuinte reagir ao mesmo seguindo para a via judicial " É isto o que resulta dos artigos 57º, nº 5 da Lei Geral Tributária (LGT) e 106º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Aquele prazo é, em regra, de seis (6) meses, isto nos termos do artigo 57º, nº 1 da LGT.

Mas aqui impõe-se, desde já, o seguinte acrescento.

É que sendo esse o prazo regra existem excepções como sejam a prevista no artigo 66º, nº 5 CPPT. Com base o tal preceito legal o prazo para que se considere formado o indeferimento tácito do recurso hierárquico não só não é contado em meses mas sim em dias como ocorre uma substancial redução do mesmo, de 6 meses (o prazo geral) para 60 dias (o prazo para se considerar formado o indeferimento tácito do recurso hierárquico).

Esta situação é, a nosso ver, o exemplo lapidar de que o Contencioso Tributário é um mero alçapão de verdadeiras ratoeiras criadas de forma artificial e sem qualquer base, assente em princípios válidos quer-se dizer, que justifiquem tais diferenças de regime.

Perdoar-se-á o desabafo mas o que atrás dizemos é a nossa firme convicção e por isso nem aspas colocámos em expressões mais viris que tenhamos usado.

Com efeito a forma de contagem dos prazos, que sendo em dias ou em meses pode levar a dies ad quem diferentes, e a própria discrepância entre os mesmos pode lesar, como muitas vezes lesará, o direito dos contribuintes a uma tutela judicial efectiva como o impõe o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Apetece acrescentar que tudo isto se traduz, nem mais nem menos, numa intenção de manter o Direito como um feudo para juristas, agarrado a meras formalidades e completamente distante do alcance dois seus destinatários primeiros (e não últimos) que são os cidadãos e as empresas.

A tudo isto ainda aditamos que, na nossa opinião, a regra geral nem sequer deveria ser o indeferimento tácito mas sim o seu deferimento uma vez que aquela regra apenas premeia a inércia administrativa no cumprimento do seu dever de decidir " artigo 56º da LGT -, ou seja e dito de outro modo, a administração fiscal pode pura e simplesmente abster-se de cumprir um dever legal, que decorre de um princípio constitucional, pois sempre terá como sanção o nada. Quer isto dizer que a DGCI pode como que desprezar as pretensões dos contribuintes que fica, após tal, no mesmo estado que se encontrava antes pois que terão de ser estes a reagir a tal comportamento omissivo.

É isto um Estado de Direito?

É evidente que não mas não o sendo incumbiria ao legislador colocar cobro a tal o que pelos vistos, e atento os anos que tem esta regra geral que sobreviveu a vários diplomas legais, nem sequer é a sua intenção. É o país que temos.

Mas continuando então:

Pode verificar-se, e amiúde verifica-se, que após a formação do indeferimento tácito e já após o contribuinte ter reagido, através de impugnação judicial por exemplo, àquele acto silente a administração venha a decidir expressamente a reclamação.

Quando tal ocorrer o que sucede?

Forma-se um novo acto a que o contribuinte terá de reagir sob pena de preclusão dos seus direitos?

Não se passa nada antes devendo a impugnação em curso seguir os seus regulares trâmites?

Pode ou deve o contribuinte no processo judicial em curso ampliar a sua causa de pedir atenta a decisão expressa e de forma a rebater os argumentos da DGCI vertidos na decisão expressa?

É a isto que procuraremos sumariamente responder devendo alertar desde já que nos afastamos completamente da posição que se pode ter por maioritária na jurisprudência.

Como já supra exposto o acto tácito de indeferimento que se forma, e apesar de se basear no silêncio da administração, é, a nosso ver, algo do qual vão resultar os efeitos que o próprio acto administrativo teria.

Isto é, considerando-se que ocorra ou não um acto administrativo propriamente dito os efeitos de tal acto (ainda que ficcionado) nascem no mundo jurídico.

Como diz JOÃO TIAGO SILVEIRA in O Deferimento Tácito (Esboço do Regime Jurídico do Acto Tácito Positivo na Sequência de Pedido do Particular) " À Luz da Recente Reforma do Contencioso Administrativo, a pp. 95.

«Isto é, o legislador entende que ao deferimento tácito se aplica o regime do acto administrativo e, assim, ele produz esses efeitos.» (o sublinhado é nosso)

O que o Autor escreve aplica-se, na nossa perspectiva, mutatis mutandis ao indeferimento tácito pelo que os efeitos deste também se vão produzir ainda que não se entenda tal forma de indeferimento ficcionada como um verdadeiro acto administrativo.

Ora um desses efeitos será, precisamente, o de a pretensão do contribuinte ao ter sido denegada pela administração dever ser merecedora de reacção pela via judicial. Melhor dizendo e complementando, se a DGCI não decidiu no prazo que a lei lhe atribuía para tal a sua participação "foi chão que deu uvas" passando a questão para a esfera judicial.

Pelo que ao assim ser, como entendemos que o é, ao contribuinte jamais pode ser exigível que considere que se formou um novo (ou verdadeiro) acto administrativo ao qual o mesmo tenha de reagir ab initio e como nada se tivesse passadio no entretanto.

Mas aqui chegados colocam-se então a segunda e terceira questão supra referidas, isto é:

Não se passa nada de relevante antes devendo a impugnação em curso seguir os seus regulares trâmites?

Pode ou deve o contribuinte no processo judicial em curso ampliar a sua causa de pedir atenta a decisão expressa e de forma a rebater os argumentos da DGCI vertidos na decisão expressa?

Entre as duas hipóteses na nossa opinião, que resulta já um princípio indicativo do que atrás sustentamos, a melhor solução de acordo com a lei é claramente a primeira.

Na realidade a administração já teve o seu prazo para decidir e ao não o fazer sibi imputet, é algo apenas a si imputável.

Deste modo a impugnação judicial já em curso deveria seguir a sua regular tramitação e, quanto muito, a decisão administrativa expressa vir a ser junta ao processo judicial nos termos dos artigos 110º e 111º do CPPT, nada mais do que isso. E é isto que na nossa opinião se retira, sem grande esforço pensa-se, do artigo 111º, nº 3 do CPPT.

Como ensina o Conselheiro LOPES DE SOUSA in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, I Volume, a pp. 809:

«Há, pois, uma preferência absoluta do meio judicial de impugnação sobre os meios administrativos, impedindo-se que seja apreciada por via administrativa a legalidade de um acto tributário que seja objecto de impugnação judicial [?.].» (o sublinhado é nosso)

Mas sendo esta a nossa opção do ponto de vista técnico " jurídico, e pelos vistos não só a nossa, constatamos, com profundo desagrado intelectual diga-se, que a mesma não tem vindo a vingar na jurisprudência pois que de acordo com aquela que se tem por maioritária a opção correcta será a terceira, isto é, o contribuinte deverá ampliar a sua causa de pedir na impugnação pois o indeferimento expresso leva a com que a anterior impugnação judicial tenha deixado de ter objecto.

A título meramente exemplificativo decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/06/2004, Processo nº 046924 in http://www.dgsi.pt da forma que segue:

«II - A presunção de indeferimento, face ao silêncio da Administração, é uma mera ficção legal para protecção do administrado, que cessa ante a prolação do indeferimento expresso, independentemente da notificação deste.

III - A necessidade de impugnação do acto expresso, único que passou a ter existência jurídica, mais não significa que a normal imposição ao interessado do ónus de impugnação de actos administrativos que considerem lesivos, o que não consubstancia, naturalmente, qualquer ofensa dos princípios da economia processual, da justiça e da boa fé.»

Como já supra exposto, e com indicação dos respectivos porquês, consideramos que este entendimento da jurisprudência é revelador de desacerto. No entanto sendo esta a orientação maioritária, e daí o intuito prático do presente escrito, impõe-se que os contribuintes adeqúem o seu comportamento à mesma.

Deste modo o que deve ser feito será não a apresentação de uma nova impugnação judicial, desta feita tendo como objecto o acto administrativo expresso de indeferimento, mas antes uma ampliação do objecto da instância em curso nos termos do artigo 64º, nº 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), preceito paralelo ao artigo 51º, nº 1 da defunta Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), e na qual o impugnante pode não só rebater os argumentos usados pela administração na decisão expressa como oferecer novos meios de prova.

Como doutrinam Aroso de Almeida e Carlos Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a pp. 328:

«O nº 3 do artigo 64º, por sua vez, constitui uma particularização da regra geral ínsita no nº 1, admitindo explicitamente que a modificação objectiva da instância, com a possibilidade de alteração da causa de pedir, possa ter lugar nos casos em que se verifique uma mera alteração ou substituição do acto impugnado, mantendo o novo acto "os mesmos efeitos" do acto anterior.» (o sublinhado continua a ser nosso).

Esta é, repetimos, não a interpretação legal que temos por adequada dos preceitos legais supra referidos e aqui abordados mas antes uma mera interpretação de cautela e que visa manter viva a legitima pretensão que o impugnante apresentou a juízo.

Em conclusão final:

Como diz o povo impõem-se, nesta matéria, "Cautelas e caldos de galinha" sob pena da pior sanção de todas que é a preclusão do cabal exercício de legítimos direitos dos contribuintes e em relação aos quais os mesmos pretendem, e têm o direito, obter tutela judicial efectiva.
 
FONTE: EXPRESSO EXAME
AUTOR: SÉRGIO TRIBUNA
 
Ver artigo

0 comentários:

Enviar um comentário