Fisco quer cobrar 35 milhões de euros das dívidas dos clubes de futebol

Todas as dívidas fiscais dos clubes de futebol que o "totonegócio" não cobriu deveriam ter sido pagas em 2010. Não foram. O Governo promete não desistir.

O Estado mantém o direito de cobrar 35 milhões de euros de dívidas fiscais dos clubes de futebol relacionadas com o acordo conhecido por ""totonegócio"". A "questão está a ser tratada pela administração fiscal", diz uma fonte oficial do Ministério das Finanças. O entendimento é o de que não houve qualquer decisão judicial ou administrativa que tenha feito prescrever essas dívidas.

Esta declaração surge em resposta ao pedido do PÚBLICO de confirmação do artigo do jornal Expresso, de 30 de Dezembro passado. Nele referia-se que "o Estado vai perder 35 milhões de euros", em consequência de ter findado em 2010 o "totonegócio"".

O acordo foi assinado a 25 de Fevereiro de 1999, entre o Governo e os dirigentes da Liga de Clubes e a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) como gestores dos clubes. E previu que os clubes cederiam as suas receitas do Totobola de 1999 a 2010 para pagar dívidas fiscais de 56,8 milhões de euros, geradas no tempo dos governos Cavaco Silva. Um acordo polémico, paradigmático da promiscuidade entre a política e o futebol (ver caixa).

No entanto, o ""totonegócio"" não previu a extinção das dívidas em 2010. Previu, sim, dois momentos de acertos de contas, caso as receitas do Totobola não fossem suficientes para pagar as dívidas fiscais. Um, a meio do período, em meados de 2004, e outro no final, em 2010. Mas nenhum dos dois ocorreu.

Em 2004, o fisco quantificou em cerca de 20 milhões de euros a verba em falta na primeira metade do acordo. O então ministro das Finanças, Bagão Félix, cumpriu o acordo e exigiu à Liga e à FPF o pagamento dos 20 milhões. Mas, além desses, havia ainda mais 15 milhões de euros, sobretudo dívidas geradas antes do "totonegócio", mas só descobertas depois da sua assinatura.

As estruturas do futebol recusaram-se a pagar, alegando que a dívida era dos clubes e que o Estado também era responsável por ter deixado cair as receitas do Totobola. Foram para tribunal para suspender a parte do acordo que menciona taxativamente que, se o Totobola faltasse, eram as entidades responsáveis pelo pagamento e dezenas de oposições à liquidação. Mas foram perdendo em todas as instâncias.

Apesar de Bagão Félix estar na posse de um parecer do Centro de Estudos Fiscais do Ministério das Finanças - em que se defendia que, caso a Liga e FPF não pagassem, o fisco não deveria passar aos clubes as certidões de situação fiscal regularizada (impedindo-os de disputar competições desportivas) - a cobrança em 2004 não foi avante.

Quatro dias após a entrega desse parecer e a uma semana da posse do primeiro Governo Sócrates em 2005, o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Orlando Caliço e o então director-geral dos Impostos Paulo Macedo validaram um parecer do responsável da Justiça Tributária Alberto Pedroso. O parecer mudou apenas um dos pontos do parecer do CEF, mas passou a prever o adiamento para 2010 de qualquer exigência aos clubes de futebol pelo incumprimento do "totonegócio". E os clubes foram recebendo as suas certidões de situação fiscal regularizada. Por outras palavras, o primeiro acerto de contas foi abortado.

A analisar a situação

Quando o primeiro-ministro José Sócrates soube dessa decisão, mostrou-se "tão surpreendido quanto o país". "No anterior Governo, enquanto o ministro Bagão Félix apregoava rigor, o senhor secretário de Estado fazia despachos destes", afirmou o primeiro-ministro, após um debate no Parlamento. Sócrates disse então que o ministro das Finanças estava "a analisar a situação".

As Finanças foram prometendo uma posição. Divulgaram que iriam notificar os clubes para pagar as dívidas não abrangidas pelo ""totonegócio"", como previra o anterior Governo. Mas a "análise da situação" redundou num novo pedido de parecer, desta vez fora dos serviços da administração fiscal ou do Estado. O seu conteúdo não foi divulgado. E os responsáveis das Finanças remeteram-se ao silêncio.

Três meses depois, não tinham ainda revogado o polémico despacho do anterior Governo e deixaram passar o prazo para obstar à emissão aos clubes de futebol de certidões de situação fiscal regularizada. Ou seja, tudo se manteve e tudo foi adiado para 2010, para o segundo acerto de contas do acordo.

No início de 2010, a DGCI penhorou e colocou à venda a sede da FPF por cerca de 1,5 milhões de euros para cobrar parte de uma dívida do Leixões Sport Clube abrangida pelo ""totonegócio"", mas desconhece-se o desfecho. O certo é que o segundo acerto de contas não se fez.

Segundo o jornal Expresso, o futebol pagou 23 milhões da dívida total de 56,8 milhões de euros. O restante - segundo o acordo - deverá ser pago pela Liga e pela FPF, cabendo aos clubes pagar os 15 milhões de dívida não incluídas no ""totonegócio"".

Quando o PÚBLICO sugeriu, com base no artigo do Expresso, que se estaria a preparar um perdão fiscal aos clubes de futebol, os responsáveis do Ministério das Finanças negaram e responderam que a "questão está a ser tratada pela administração fiscal". Mas não deram mais pormenores porque se alega, estranhamente, estar tudo "ao abrigo do sigilo fiscal".

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FONTE: PUBLICO
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