Acórdão do TRG - ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL - APROPRIAÇÃO ILÍCITA - IVA Liquidado e não recebido

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

I – O facto de os contribuintes remeterem aos serviços da administração do IVA as declarações previstas na lei não demonstra que eles receberam as correspondentes quantias.

II – As declarações periódicas enviadas nos termos do art.º 24.º do IVA servem a função de auto liquidação do imposto e, como consta do n.º 1, al. c), do referido artigo, referem-se «às operações efectuadas no exercício da (...) actividade no decurso do mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente (...)», mas tais declarações não valem para além do seu conteúdo e do destino que a lei lhes reserva: lato senso, qual é o imposto devido.

III – É claro que quando a operação sujeita à tributação é a última da cadeia entre a produção e o consumo – caso das lojas que vendem a retalho -, à entrega do produto corresponde, por regra, em simultâneo, o pagamento do preço e o documento que titula a operação tem a dupla função de factura e recibo.

IV – Mas à saída da empresa produtora ou do comerciante “grossista”, o negócio é por regra realizado com o pagamento a prazo, de 8, 30, 60 e 90 dias, donde, como é sabido, a declaração periódica para efeitos de IVA não corresponde necessariamente à cobrança efectiva dos montantes que integram a prestação de IVA, pelo comprador.

V – É necessário, portanto, como passo prévio da apropriação do imposto, o recebimento do correspondente montante pelo sujeito passivo obrigado à sua entrega ao Estado.

VI – Assim, a prova deste recebimento é indispensável, pelo menos de forma parcial, mas representativa, para daí se poder concluir que à não entrega do imposto corresponde a apropriação do mesmo.

Do voto de vencido

VII – Dos preceitos respectivos e da configuração do imposto em causa, resulta inequivocamente, que a declaração que traduz as operações efectuadas e o montante final liquidado (encontrado, e que serve simultaneamente de reconhecimento da obrigação de pagamento) não depende da efectiva cobrança do imposto aos clientes, pois se assim fosse, seria pervertida totalmente a filosofia do imposto.

VIII – O exercício de uma actividade sujeita a IVA é aleatório nos seus resultados líquidos e, por isso, envolve vantagens e riscos, pelo que, imputar o imposto nas transacções com os clientes e não o receber é um risco do próprio operador tributário, que apenas tem a válvula de escape prevista no artº 71º do CIVA para reposição da verdade tributária.

IX – Aliás, em conformidade, em todos os diplomas legais que passaram a punir a falta de pagamento, total ou parcial, do imposto é expressamente consignado que se trata da “prestação tributária deduzida” e não da que tiver sido efectivamente recebida».

X – A tese acolhida nestes autos na 1ª instância, e agora confirmada no acórdão que fez vencimento, não tem qualquer sentido e reduz a estilhas todo o sistema, em especial, o preceito do citado artº 71º do CIVA.

XI – Além disso, tal tese produz um verdadeiro cataclismo ao nível probatório, impondo ao Ministério Público uma prova impossível ou diabólica.

XII – No caso do IVA, o método de cobrança é o estabelecido na lei e a sua liquidação cabe a determinados contribuintes, que deverão entregar os montantes respectivos nas condições já expostas, independentemente de fazerem vendas a dinheiro ou a crédito, não cabendo ao Estado controlar ou impor qualquer modalidade de venda.

XIII – No caso das vendas a crédito, o vendedor assume os consequentes riscos para a sua actividade, mas o estado garante-lhe, através dos mecanismos do citado artº 71º, nºs 8 e 9, que, pelo menos, quanto aos créditos incobrados, o contribuinte não perderá o valor correspondente ao IVA que já contabilizou e entregou.

XIV – Os valores do IVA cobrados nas vendas a dinheiro e os que são facturados nas vendas a crédito, recebidas ou não, entram no giro contabilístico do comerciante ou do empresário e, materialmente, confundem-se com os demais bens que constituem o activo, neste incluídas as disponibilidades de caixa.

XV – Se as vendas foram feitas a dinheiro, a parte correspondente ao IVA entrou em caixa e deverá ser entregue a quem pertence; se houve vendas a credito, isso é da conta e risco do contribuinte, que mais não tem que fazer, também, do que entregar ao Estado a sua parte, sendo que, como já por mais uma vez se disse, este lhe garante a devolução, no caso de o contribuinte não vier a receber o seu crédito.


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FONTE: MJ
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